OS JORNALISTAS E A LÍNGUA PORTUGUESA SÃO AMIGOS NÃO, INIMIGOS!

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April 30, 2013 by suitandojornalistas

Uma vírgula pode mudar o sentido da frase. Um ponto, um plural ou uma palavra mal colocada podem alterar o significado e gerar interpretações indesejadas. Por isso, a mestre em Literatura Portuguesa, Bianca Nóbrega, fala sobre o domínio da escrita. Afinal, os jornalistas e a Língua Portuguesa são amigos, não inimigos!

Bianca Nóbrega fala sobre a importância do 'bom convívio' com a Língua Portuguesa

Bianca Nóbrega fala sobre a importância do ‘bom convívio’ com a Língua Portuguesa. Crédito: Divulgação

Derivado do latim, o idioma chegou ao Brasil através dos colonizadores portugueses e hoje é o quinto mais falado no mundo, segundo o portal do governo federal da Divisão de Temas Educacionais. Hoje, o Português é a língua oficial em Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, Portugal, São Tomé e Príncipe, Timor-Leste e Guiné Equatorial.

Seja falado ou escrito, é justamente o idioma a principal ferramenta para a comunicação do jornalista. “Se pensarmos na analogia da ‘ferramenta’, veremos que se desenvolvemos um determinado trabalho usando uma ferramenta com problemas, sem podermos usufruir de todas as suas funções, certamente teremos um resultado final não satisfatório. A língua funciona da mesma forma. Quanto mais se conhece os recursos que ela proporciona para elaborar um texto, apresentar uma ideia, interpretá-la, etc, melhor será o resultado da comunicação”, explica a mestre em Literatura Portuguesa, Bianca Nóbrega.

Para ela é evidente que o mal uso de palavras e expressões e o não domínio da gramática podem ter os resultados mais variados, e, nem sempre, o produtor do texto alcançará seu objetivo. “Tenho um bom exemplo que vivenciei de fato. Em um mural da faculdade onde estudei, encontramos o seguinte anúncio para aluguel de casa: ‘Aluga-se quarto com banheiro no centro’. Nesse caso, fica claro que a organização do texto prejudicou sua interpretação”, cita referindo-se que as pessoas poderiam ler esse anúncio e pensar que havia mesmo um banheiro no centro do quarto, e não que o quarto possuía banheiro e se localizava no centro da cidade.

Mas, os erros não ficam somente em cartazes. No jornalismo eles também ocorrem. Em uma busca rápida por portais de notícias entre os dias 29/04 e 30/04, alguns erros passaram por repórteres e editores:

Erro de plural no portal Folha de S. Paulo. O verbo deve concordar com o número, segundo Sérgio Nogueira em 'Dicas de português". Ou seja, Sonnen acumula suas 13 derrotas.

Erro de plural no portal Folha de S. Paulo. O verbo deve concordar com o número, segundo Sérgio Nogueira em ‘Dicas de português”. Ou seja, Sonnen acumula suas 13 derrotas

Erro de grafia. A palavra 'grava' só existe na conjugação do verbo gravar, no tempo presente, na terceira pessoa do singular. O correto seria o estado é grave.

Erro de grafia. A palavra ‘grava’ só existe na conjugação do verbo gravar, no tempo presente, na terceira pessoa do singular. O correto seria o estado é grave

Erro de concordância no portal Cruzeiro do Sul. A gramática nacional exige que o verbo concorde com o sujeito. No exemplo, o verbo está no feminino enquanto o sujeito é masculino. A forma certa seria 'distribuído'

Erro de concordância no portal Cruzeiro do Sul. A gramática nacional exige que o verbo concorde com o sujeito. No exemplo, o verbo está no feminino enquanto o sujeito é masculino. A forma certa seria ‘distribuído’

Erros do portal G1 do Maranhão. A primeira palavra possui erro de grafia/ digitação: Benefício. Abaixo, o 'foram tão retrógradas' também não concorda com o sujeito 'mundo acadêmico', ou seja, deveria estar 'foi tão retrógrado'. E, por fim, após o ponto não há letra maiúscula em "a criança".

Erros do portal G1 do Maranhão. A primeira palavra possui erro de grafia/ digitação: Benefício. Abaixo, o ‘foram tão retrógradas’ também não concorda com o sujeito ‘mundo acadêmico’, ou seja, deveria estar ‘foi tão retrógrado’. E, por fim, após o ponto não há letra maiúscula em “a criança”

Erro de acentuação no portal G1 de Marília. A palavra veículo leva acento por ser uma proparoxítona.

Erro de acentuação no portal G1 de Marília. A palavra veículo leva acento por ser uma proparoxítona

Nesta notícia a falha é quanto as técnicas jornalísticas que exigem o uso de aspas na reprodução na íntegra do entrevistado. O exemplo mostra apenas a abertura das aspas e não seu fechamento. Não mostrando ao leitor até onde a fonte fala.

Nesta notícia a falha é quanto as técnicas jornalísticas que exigem o uso de aspas na reprodução na íntegra do entrevistado. O exemplo mostra apenas a abertura das aspas e não seu fechamento. Não mostrando ao leitor até onde a fonte fala

Para Bianca, os erros se devem a confusão entre simplificar a ideia e a má elaboração do texto. Dentre as mais frequentes estão as falhas de concordância verbal e nominal. “Muitas vezes, para unir em um único parágrafo diversas informações relevantes, o jornalista acaba cometendo esses desvios. Infelizmente nem todos os jornais apresentam bons textos. Isso é muito ruim para formarmos bons leitores”, lamenta.

Apesar disso, ela ressalta que o trabalho do jornalista, especialmente em jornais diários, é bastante exaustivo e alguns desvios da norma podem acontecer, é até natural dentro desse processo. “Diante disso, o papel do revisor é indispensável. O que não se deve fazer é deixar que o jornal chegue até a casa dos leitores com problemas”, explica.

Mas, em 2016, a regra muda. O Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa que visa unificar a grafia dos países que falam Português, assinado pelo Brasil desde 1990,  entra em vigor em 2016. Porém, a mestre em literatura fala que isso não é um problema. “Houve um grande alarde de todos, pensando que mudaria muito a vida de quem usa a escrita como ferramenta de trabalho. Porém, desde que foi assinado o novo acordo ortográfico, os grandes jornais e as editoras já estão fazendo uso das novas regras. Isso faz com que acostumemos a elas. A melhor dica para lidar com as regras (novas e velhas) é ter uma fonte de pesquisa. Essa fonte pode ser livros de gramática, sites confiáveis ou mesmo um breve resumo das regras para carregar na carteira e bolsa”, comenta.

As sugestões de consulta de Bianca Nóbrega:

Material elaborado pela professora Hélide Campos, da Universidade de Sorocaba (Uniso). Disponível no blog de Língua Portuguesa da universidade: http://lpuniso.blogspot.com.br/2013/04/o-que-muda-com-o-acordo-ortografico.html

 Guia Prático Michaelis: http://pt.scribd.com/doc/5789225/Guia-Pratico-Michaelis-da-Nova-Ortografia

Concluindo, a profissional destaca que a Língua Portuguesa é extremamente inteligente e funcional. Não é preciso ter medo, ao contrário, ela só existe porque está a serviço da comunicação de todos. A grande dificuldade, segundo ela, é que já está enraizada a ideia de que “Português é difícil”. Talvez, porque durante muito tempo o ensino da língua estivesse desvinculado da vida prática, da linguagem do cotidiano. Isso também é ruim pelo fato de que muitas pessoas – especialmente as que estudaram apenas na base da lista de “conjugação de verbos” ou, ainda, “análise sintática” – não desenvolveram a capacidade de refletir sobre a construção do texto, sobre os recursos de linguagem e as possibilidades que a língua nos oferece para a comunicação.

Por isso: Quanto mais conhecermos a nossa língua, melhor iremos apresentar nossas ideias, melhor seremos ouvidos e, da mesma forma, melhor iremos compreender os outros.

Bianca Nóbrega*

*Bianca Nóbrega é graduada em Letras pela Unesp de Assis (SP), formada em 2002. É mestre em Literatura Portuguesa pela USP (SP), concluindo o curso em 2008.

Atualmente é professora de Língua Portuguesa da Uniso. Na mesma instituição, é coordenadora do grupo de Letras no Projeto PIBID, avalizado e financiado pela CAPES. Escreve diversos artigos sobre a importância da Língua Portuguesa na atualidade e sobre obras literárias. Produziu diversos materiais didáticos, dentre eles, o material de Língua Portuguesa para o Ensino Médio da Rede SESI do Estado de São Paulo. Foi orientadora educacional no programa de pós-graduação à distância da Unicamp (SP) para formação de docentes de Língua Portuguesa.

Crédito texto: Luma Bonvino

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